Continua-se feliz enquanto um dia mau é uma surpresa e, no dia seguinte, deixando de ser surpreendente e continuando mau, ainda se tem a esperança que a maldade seja interrompida.
Os AA e os NA dizem "um dia de cada vez". É a mesma coisa para quem deixa de fumar. Mas não é um dia. É uma hora de cada vez. E, às vezes, quando o vício ou a dor são enormes, é um segundo (ou menos) de cada vez.
Envelhecer é aprender. Com cada dia que passa acho mais difícil e mais inútil distinguir os castigos das culpas e os azares das justiças.
Sofrer é sofrer e dá cabo de quem sofre. Acordar com tanta dor na coluna que se desmaia é uma desgraça e uma dor e um facto. Aconteceu anteontem à mulher que amo.
A dor é dona das nossas vidas. Perseguir um prazer está para evitar um sofrimento como gostar de futebol está para o medo paranóico de ser assassinado por uma bola de futebol disparada pelo Cristiano Ronaldo.
Não sofrer a dor não só não é prazer nenhum (contra Schopenhauer) como é o mínimo e menos plausível dos requerimentos existenciais.
A felicidade é uma questão de ausência de tristezas, mais uma faísca maluca de sorte. A falta de dor, por muito que se disfarce, será sempre uma alegria escondida mas maravilhosa, à qual nunca demos valor.
Sofrer é mau porque se sobrepôe a tudo. Ocupa a vida toda e espezinha-a. Ocupa o tempo e o pensamento e torna-nos incapaz de ser, ter ou sentir outra coisa.
É maldade enaltecer o sofrimento, seja ele qual for. Ou de quem for.
By Miguel Esteves Cardoso