(independentemente de quem possa ou não gostar da margarida rebelo pinto, aqui deixo esta sua reflexão que tanto tem de verdadeira como de real. é realmente um privilégio poder ter o luxo de sofrer…)
Podemos apaixonar-nos vezes e vezes sem conta pela mesma pessoa ? Chet Baker achava que sim: «Funny that every time I fall in love it´s always with you». Tony Parsons, produtor de televisão britânico que atingiu o estrelato do bestseller com o seu primeiro romance, Cenas da Vida de um Pai Solteiro, dizia que as músicas românticas nor tornam alérgicas à realidade. Talvez os dois tenham razão: o compositor quando vende a ideia de uma amor eterno e incondicional, uma espécie de prisão vitalícia para o coração que não consegue entregar-se a não ser a um único amor, e o escritor, habituado a lidar com o dia a dia de uma vida cheia de horários, de prazos e de contratempos.
Talvez só ame incondicionalmente quem se possa dar a esse luxo; quem não viva sufocado com hipotecas como espadas em cima da cabeça, quem não seja obrigado a cumprir objectivos hercúleos no emprego, quem não tenha três máquinas de roupa para fazer, estender, apanhar, dobrar e passar a ferro três vezes por semana.
A necessidade aguça o engenho e o instinto de sobrevivência ajuda-nos a encontrar e felicidade na adversidade, talvez por isso só sofra por amor quem se possa dar a esse luxo, quem tenha tempo para sofrer; qem tenha energia para chorar e um bom ouvinte a quem se possa lamentar dias a fio, enquanto os comuns mortais vão sobrevivendo como podem, demasiado preocupados com as contas para pagar; o futuro dos filhos, as doenças crónicas dos pais, o fantasma da deflação, os impostos, a consulta no hospital que nunca mais chega, o fim-de-semana que é sempre curto, o feriado mais desejado, o dia do aumentos, as sonhadas semanas de férias num apartamento exíguo junto a uma praia sobrepovoada ondeo os dias são passados entre sandwichs de atum com alface e litros de refrigerante e de cerveja a discutir futebol com os amigos de sempre, enquanto as crianças se tentam afogar umas às outras em manobras aparentemente inocentes.
Afinal sofremos de amor porque podemos. Porque o país não foi invadido por um inimigo feroz, o território não sofreu a devastação de um tsunami nem vivemos na Faixa de Gaza. Sempre que uma vaga de destruição assola uma parte do globo, o espírito de reconstrução faz com que meses depois tudo se recomponha de tal forma que a desgraça seja esquecida no dia a dia e apenas lembrada nos manuais da história.
O tempo para sofrer também pode ser uma escolha. Toda a gente precisa de sofrer para se sentir viva, entre o sofrimento e o vazio, prefiro o sofrimento, disse Faulkner. É verdade que somos todos assim, mas existe um tempo para tudo e esse tempo não se pode eternizar e além disso só vale a pena apaixonarmo-nos sempre pela mesma pessoa se ela também viver apaixonada por nós. De outra forma, somos nós, com a nossa teimosia e obstinação cegas e surdas, que nos tornamos alérgicos à realidade e não às músicas que nos embalam o coração nos serões de solidão.
Por estes momentos menos felizes, mais vale regressar ao Chet e ouvi-lo vezes sem conta, até nos sentirmos «on the sunny side of life».
Whenever it's early twilight
I watch till the star breaks thru
Funny it's not a star I see
It's always you
Whenever I roam thru roses
And lately I often do
Funny it's not a rose I touch
It's a breeze caresses me
It's really you strolling by
If I hear a melody
It's merely the way you sigh
Wherever you are, you're near me
You dare me to be untrue
Funny each time I fall in love
It's always you
If a breeze caresses me
It's really you strollin by
If I heara a melody
It's merely the way you sigh
Wherevber you are, you're near me
You dare me to be untre
Funny each time I fall in love
It's always you