quarta-feira, 13 de junho de 2007

O Explicadeiro...

Hoje relia um livro a que recorro ocasionalmente sobre contos filosóficos do mundo inteiro - Tertúlia de Mentirosos, de Jean-Claude Carrière - e que sempre o achei delicioso principalmente porque, através de histórias e bastantes vezes, bem dispostas, descreve lições de vida para reflexão.

Neste caso, os meus olhos recaíram sobre duas histórias que me fizeram sorrir por me então recordar de algo que amigos mais chegados e não só normalmente me apelidam: O Explicadeiro !

E isto porquê ? Sempre tive o hábito de, colocando ou respondendo a perguntas, elas serem feitas de uma forma muito explícita e detalhada, por vezes e admito, roçando o exagero. Ao longo da vida, aprendi que a comunicação entre as pessoas pode ser muito complicada ao ponto de o que uma diz não ser idêntico ao que a outra ouve e, daí, as inúmeras confusões e suas consequências que sabemos.

Sempre procurei evitar, e na vida profissional inclusivé, que situações destas acontecessem comigo, tipo algo combinado ou explicado ou ainda apenas conversado, e depois, "when the time comes", sair tudo ao contrário, acompanhado de comentários tipo "Ahhhhhhh!!! mas eu não percebi isso" ou então "Ahhhhhhh!!! mas isso não foi o que disseste!!!" ou ainda "Podias ter explicado melhor!!! E agora, o que fazemos?", sendo que neste último caso, a pergunta deixada no ar vem acompanhada de uma expressão e entoação que denotam algum sentimento de acusatório.

"The devil lives in the details"... nunca me esqueço desta frase que uma vez li algures e que tenho comprovado a sua veracidade ao longo do tempo... assim sendo, muito raramente sou confrontado com qualquer tipo de confusões ou mal entendidos e as explicações que dou, de acordo com os conhecimentos que possa ter, julgo conseguir fazer-me compreender (modéstia à parte, claro!).

Então, voltando aos contos que me fizeram relembrar tudo isto, transcrevi-os para aqui pois merecem serem lidos... não são muito longos e são daqueles que, pelo menos assim o penso, tão cedo não serão esquecidos pela graça que têm...

Enjoy...:)



Assim como Confúcio recomendava que, antes de qualquer acção, devemos pôr-nos de acordo quanto ao sentido preciso das palavras, assim todos sabemos que a pergunta correcta é a condição necessária para uma resposta aceitável. No caso da tradição zen, a pergunta, se for bem feita, se implica num instante todas as faculdades do espírito e do coração, nem sequer precisa de uma boa resposta. Já desempenhou o seu papel. Por exemplo, a famosa pergunta do arqueiro: "o que é o que em mim visa?" ou ainda, entre as clássicas: "Duas mãos que batem uma na outra produzem um barulho. Qual o barulho de uma só mão?"

"Que diferença há entre um corvo?", perguntava Coluche que se situava, talvez sem o saber, nesta mesma tradição. Ou ainda: "Que idade tem Rimbaud?"

A história seguinte, que deve ser dita ou lida lentamente, conta-se hoje no País Basco espanhol. Há quem a considere uma das melhores histórias do mundo.





A vaca preta e a vaca branca


Um camponês tranquilo e taciturno guardava duas vacas que pastavam num prado e não fazia mais nada.

Outro camponês, que passou por ali, sentou-se num murete na orla do prado, ficou um momento calado (nesta região, as conversas são lentas e reflectidas) e por fim perguntou:

- Comem bem, as vacas?
- Qual? - disse o outro.

O camponês de passagem, um tanto desconcertado por esta pergunta, disse então, mais ou menos ao acaso:

- A branca.
- A branca, come - disse o primeiro.
- E a preta ?
- A preta também.

Após este primeiro diálogo, os dois homens ficaram bastante tempo sem falar, olhos postos na paisagem familiar, as montanhas, a aldeia.
Depois, o segundo camponês perguntou:

- Dão muito leite?
- Qual? - disse logo o outro.
- A branca, dá.
- E a preta ?
- A preta também.

Seguiu-se outro silêncio que durou tanto tempo como os anteriores. Enquanto durou este silêncio, os dois homens não olharam um para o outro. Só se ouvia o ruído pacífico das duas vacas comendo erva. O segundo camponês abandonou finalmente o silêncio e disse:

- Mas porque me perguntas sempre «qual»?
- Porque - respondeu o primeiro - a branca é minha.
- Ah - disse o outro.

Reflectiu mais um pouco e perguntou, para terminar, não sem uma secreta apreensão:

- E a preta?
- A preta também.

O papel de parede

A história seguinte, que se refere também à maneira de fazer as perguntas - mas que, naturalmente, vai muito além disso - é contemporânea, talvez francesa.

Um homem que vivia sozinho instalou-se num apartamento acabado de construir. Tratava-se de um apartamento de duas assoalhadas, situado numa dessas torres que, no século XX, foram erigidas um pouco por toda a parte.
Este homem, de natureza cortês, decidiu apresentar-se aos seus novos vizinhos, que o receberam amavelmente. Tocou em último lugar à porta do apartamento situado por cima do seu. Veio um homem abrir; mandou-o entrar, pareceu encantado com aquela iniciativa e ofereceu ao visitante um cálice de um porto bastante bom. Também ele era um homem que vivia sozinho, num apartamento de duas assoalhadas exactamente igual, por causa das normas de construção, ao do novo locatário.
Durante a conversa, este último notou o papel de parede que revestia a casa do seu vizinho de cima.

- Agrada-lhe? - perguntou o vizinho.
- Agrada-me muito. É o papel de parede mais agrádavel, mais interessante que já vi.
- Se quiser, posso dizer-lhe onde o comprei.
- Gostaria.

O vizinho de cima deu o endereço da loja. Depois o novo locatário perguntou, ao ver que toda a casa estava revestida com o mesmo papel:

- E quantos rolos comprou?
- Comprei vinte e oito rolos - respondeu o vizinho de cima.
O novo locatário voltou a agradecer efusivamente e retirou-se. No dia seguinte foi à loja indicada, encontrou o mesmo papel de parede e mandou que lhe entregassem vinte e oito rolos.

Deitou-se imediatamente ao trabalho e revestiu por completo a sua casa, sem esquecer o mínimo recanto. Contudo, para sua grande surpresa, quando terminou o trabalho, verificou que lhe restavam dez rolos de papel de que não precisava para nada.
Subiu logo ao andar de cima, tocou, o vizinho veio abrir, mandou-o entrar sorrindo, sentar-se, ofereceu-lhe um cálice de porto.

- Desculpe incomodá-lo - disse o novo inquilino - mas estou um pouco intrigado. Fiz como me disse, comprei vinte e oito rolos de papel de parede, revesti todo o meu apartamento, que é exactamente igual ao seu, e sobraram-me dez rolos de papel !

- Pois, a mim também sobraram.

21 comentários:

Anónimo disse...

Hahahahah....
Muito se pode dizer e também se diz: Com a verade me enganas...
Mas nada mais simples quando há sintonia entre as pessoas, aí não há dúvidas ou mal entendidos e mesmo que hajam serão entendidas por um sorriso:)

Anónimo disse...

Tens filhos? Muito cuidado com outros blogs que são evidentes q que te identificam..vim parar a este blog através doutro que descreve as merdas todas da tua intimidade
Não gostava de saber que os meus pais fossem queimados aqui na net... detestava mesmo...swingers!!!! merdas!!!! Foi assim que os pais da Maggie foram seguidos e a miuda pagou por eles!!! Porcos de merda! Saibam ter o minimo de cuidados!!! As crianças que não paguem pela impureza e show dos pais para se exibirem na net com tretas que podem fazer sem que os filhos um dia venham a saber e a ser criticados!!!Que merda de sociedade!!!

Momentos Inolvidáveis disse...

Shelyak... simplesmente lindo... não conhecia esse livro... amanhã vou comprar...

Kiss

Anani disse...

Ahahahahahah, boa!
E diz-me lá... por acaso sabes qual é o teu ascendente? Ligas alguma coisa a isso? É que fizeste-me lembrar alguém! Beijinhos

Shelyak disse...

Meu comentário ao Anónimo de educação "duvidosa"...

Poderia ter apagado este comentário pelo mau gosto de que se reveste mas não o faço por este espaço funcionar como um Speaker's Corner...

Desconheço a razão pela qual estas ideias foram aqui colocadas e nem tenho que as comentar sobre a sua possível veracidade ou não, até porque basta a forma como foram ditas para não merecerem qualquer resposta e, entenda-se, estas minhas palavras não deverão ser entendidas como resposta mas sim como uma atenção aos meus amigos que me acompanham neste cantinho.
Ah! e um esclarecimento para o anónimo... Não se chama Maggie mas sim Maddie, que vem de Madelaine e não de Margaret; antes de dizer ou escrever algo, será sempre bom informar-se sobre o tema, não só relativamente a este como a todos...

Infelizmente, assistimos, através deste comentário tão infeliz, à prova de que - e sendo este mundo do blogistão uma prolongamento à vida real mas em que temos uma liberdade acrescida para nos soltarmos longe das regras tantas vezes rígidas e hipócritas da sociedade - em todo o lado se encontra do bom e do mau.
Uma palavra curta para tudo aquilo que foi levianamente dito... coitado... por certo que não será uma pessoa feliz...

Por último... apenas digo... os actos ficam com quem os praticam...

Para os meus amigos, as minhas desculpas por terem sido sujeitos a tal leitura e deixo um abraço a todos...:)

Shelyak disse...

Anani...
Sou Gémeos com ascendente Leão. Não que ligue muito a estas coisas mas ultimamente, com a informação que tenho recolhido e sido confrontado, fico a pensar...
Beijinho para ti :)

eudesaltosaltos disse...

Pois... as palavras q sao tao crueis por vezes... tnh-me deparado com isso nestes ultimos dias, algo conturbados da minha vida. sim, p vezes há mal-entendidos simplesmente pq n nos expressamops bem. eu digo uma coisa e quem ouve interpreta outra... bj

Gi disse...

Ainda ri com as histórias :) . As perguntas podem não ser formuladas convenientemente mas também dependem da capacidade de interpretação do "outro" do que dá a resposta. À 2ª questão não responderias compra só "X" , comprei "Y" e sobraram? Mesmo sem seres explicadeiro? :)

Bom fim de semana
Um beijinho

Silêncio © disse...

Não conhecia o Livro quem sabe numa das minha próximas incursões a uma livraria não o vá comprar...

Um Beijo em Silêncio

Marta Vinhais disse...

Interessantes as histórias que escolheste e não, não as conhecia.
Também vou ver se encontro o livro..
Obrigada pela visita - e até já?
Beijos e abraços - bom resto de domingo
Marta

Brain disse...

Shelyak,

Vim agradecer a tua visita e amabilidade das palavras deixadas no meu espaço e deparei-me com esta agradável surpresa!

Tens um espaço muito bom, de partilha, tal como eu gosto.

Voltarei.

Abraço.

Eärwen disse...

É bom vir e desfrutar de teus textos, tão gostosos de se ler. Incrivel ver como as palavras tomam um curso diferente do que queremos às vezes. Ótimo!!!

Obrigado por tuas visitas ao meu mundo.

Deixo-te uma pérola incandescente de boa disposição.

Eärwen

As Aparências Enganam disse...

Olá! Sou novo no blogger e busco fazer amizades com pessoas que tenham interesse em literatura. Quando tiver um tempinho, visita o meu blog. Chama-se "O Voyeur" (ffmoniz.blogspot.com). Um grande abraço e parabéns pelo seu blog!

Anani disse...

Mesmo ascendente que eu, ok ;-)

Anónimo disse...

Cantinho interessante... cheio de histórias e curiosidades...

Estas histórias são delirantes...

Gostei...

www.rochasuave.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

Ora viva!

Pois eu não conheço o livro mas já o apontei para um dia destes então o procurar.

Gostei especialmente do conto das vacas pois de certa forma é parecido com umas coisas que costumo escrever no meu blog com o designío de pa-ta-ti pa-ta-ta.

Já cá tinha estado a ler umas coisas e devo-lhe dizer que o blog é óptimo. De se ler, de se entender e tudo com uma visão peculiar e inteligente dos assuntos. A minha visita está assegurada, acredite.

Um abraço...
shakermaker

Espirito da Lua disse...

Gostei ,,, esta muito giro;)

Bj Lua

R. disse...

muito bom os dois textos,o da vaca preta e branca então :) não conhecia este livro,mas a próxima vez que for á biblioteca,vou perguntar se têm!
beijinho para ti

Unknown disse...

Ainda bem que não apagou o outro post. Quero dizer, apenas faria o mesmo. E desculpe a invasão mas tem aqui um spot todo giro. =)
Saudações bloguistas*

Unknown disse...

Post não, comentário! Enganei-me! :P
Sorry! *

Anónimo disse...

Preciso de fazer um comentario ao texto da vaca preta e da vaca branca e nao entendo como o poderei fazer... nao sei bem a tematica e a moral que esta pequena historia nos quer transmitir ! Seria possivel uma ajudinha ? =D